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Carreira sob fogos

Impacto das constantes viagens na vida profissional das esposas de militares é tema de dissertação da Psicologia

 

Se a dificuldade de conciliar carreira e vida familiar já é inerente à mulher contemporânea, as adversidades são ainda mais sentidas quando está em questão a atuação profissional das esposas de militares.

 

Carreira sob fogos: a vida profissional da mulher do militar, dissertação defendida por Janaína Cardozo Bernardes Simões, agora mestre em Psicologia, sob a orientação da professora Andrea Seixas Magalhães, é fruto de uma reflexão que teve como motivação a própria vivência da autora – esposa de militar – e busca analisar como os constantes deslocamentos e quebras de vínculo impactam a carreira dessas mulheres.

 

Janaína Cardozo falou sobre sua pesquisa à Assessoria de Comunicação da Vice-Reitoria Acadêmica.

 

Assessoria de Comunicação/ Vice-Reitoria Acadêmica - Como se originou a ideia da dissertação e o que motivou o tema?

 

Janaína Cardozo - Como esposa de militar, eu passei a vivenciar, a partir do casamento, dificuldades na conciliação entre minha carreira profissional e as constantes mudanças de cidade que é característico da carreira dos militares. Fui conhecendo um grande número de mulheres capacitadas para o mercado de trabalho e que, como eu, enfrentavam dificuldades em manter e desenvolver seu projeto profissional, devido ao fato de permanecerem apenas um ou dois anos em uma cidade. Os estudos apontam que essa tensão entre a carreira e a vida familiar é um dilema da mulher contemporânea. Para as esposas de militares, as constantes transferências que os maridos estão sujeitos, afetam seus projetos profissionais, impossibilitando a manutenção de vínculos empregatícios, dificultando a definição de um plano de carreira e o investimento em formação e desenvolvimento profissional.

 

A experiência pessoal me impulsionou a desenvolver a pesquisa durante o mestrado. Tive a oportunidade de refletir sobre a minha postura de pesquisadora, entendendo que toda pesquisa é motivada, em algum nível, pela biografia do pesquisador e que perceber o grande envolvimento com a questão de estudo é fundamental. Entendi também a necessidade de tentar obter um distanciamento do objeto de estudo para que pudesse manter a postura de curiosidade. Atentar para essa questão foi fundamental para o andamento da pesquisa. Entendemos – minha orientadora e eu - que a maior defesa que podemos ter para nos protegermos dos nossos julgamentos de valor é dar voz aos entrevistados.

 

 

ASCOM/VRAC - Como se desenrolou a pesquisa? Como foi escolhida a amostra?

 

J.C. - Foi realizada uma pesquisa de campo qualitativa. Foram entrevistadas oito mulheres de oficiais do Exército brasileiro, com idades entre 25 e 43 anos, com ensino superior e alguma experiência profissional. Seis delas encontravam-se trabalhando na ocasião da entrevista.

 

A amostra foi escolhida da seguinte forma: para participarem da pesquisa, as entrevistadas deveriam estar casadas ou coabitando há, no mínimo, três anos e possuir alguma experiência profissional, ou seja, alguma trajetória de trabalho, atual ou passada, ou, ainda, qualificação para um trabalho. As entrevistadas deveriam ter nível de escolaridade superior (completo ou em curso) e encontrar-se na faixa etária de 25 a 45 anos, considerando-se que fazem parte de gerações já totalmente imersas nos ideais contemporâneos de autonomia e de realização profissional. As entrevistadas foram selecionadas a partir de indicações de pessoas conhecidas da pesquisadora.

 

A coleta de dados foi realizada utilizando uma entrevista semiestruturada. Foram eleitos alguns tópicos que, durante a entrevista, facilitaram a conversação e serviram como guia na abordagem das questões que se pretendia investigar. Os tópicos foram inseridos de forma a não interromper o fluxo da conversação e a preservar a espontaneidade do processo. Após a realização das entrevistas, estas foram transcritas e analisadas segundo o método de análise de conteúdo.

 

ASCOM/VRAC - Fale mais sobre a metodologia da pesquisa.

 

J.C. - Como disse, as falas das entrevistadas foram analisadas segundo o método da análise de conteúdo. Trata-se de um conjunto de técnicas de análise das comunicações, proposto pela professora-assistente de Psicologia na Universidade de Paris V, Laurence Bardin, onde se procura categorizar o conteúdo das narrativas, observando os temas que apareceram repetidamente no discurso dos entrevistados. Essa análise envolve leitura e releitura das transcrições das entrevistas, até que se consiga uma ordenação do conteúdo em temas, que, quantificados, são organizados em categorias.  

 

 

ASCOM/VRAC - Quais as principais conclusões, citando, se possível, exemplos dos casos levantados?

 

J.C. - A literatura mostra que a carreira no Exército apresenta demandas que se estendem a toda a família. A partir da pesquisa de campo realizada, concluímos que tais demandas, especialmente os frequentes deslocamentos geográficos, têm aumentado as dificuldades das mulheres em conciliar a vida profissional e familiar/conjugal. As transferências foram associadas a perdas, estagnação e retrocesso nas carreiras. Oportunidades de missão, transferências, nomeações e outras situações que interferem no destino do militar e de sua família ocorrem em um período curto de tempo, gerando insegurança quanto aos projetos familiares, conjugais e individuais, além de sentimentos de incerteza, falta de controle e limitação no tocante ao próprio destino. A fala de uma das entrevistadas ilustra essa incerteza:

A minha vida não tem muitos projetos... tudo que nós projetamos muda de um dia pro outro... a nossa vida militar é assim... a missão dele mesmo a gente... saiu, de um dia pro outro... a gente tava em (nome da cidade), ligaram, você é voluntário pra ir pra missão no exterior [...] aí ele disse eu vou consultar minha esposa, não deu, não, não pode, tem que ser sim ou não agora... assim... aí quando ele me ligou, eu tava na escola pegando as crianças... amor me ligaram da presidência não sei o que... [...] Eu digo: quando tem que dar a resposta? Ele disse: já dei... então assim ó, mudou de um dia pro outro... isso foi em novembro pra ele ir em janeiro... imagine, dois meses... aí fizeram toda aquela burocracia pra ele ir e não sei o quê e quando chegou em janeiro mudaram pra (outro país) pra ele ir em agosto... então, a nossa vida é muito assim ó, eu disse pra ele a gente não vai projetar mais nada... os nossos planos eles vão ter que ser... no impulso... vamo começar e vamo fazer porque... muda muito...

O fato de estarem distantes dos familiares e, em muitos momentos, dos cônjuges que muitas vezes encontram-se afastados de casa devido a missões, tem influenciado a relação dessas mulheres com suas carreiras. Passam a priorizar empregos com maior flexibilidade de horário ou abrem mão de trabalhar, ao menos temporariamente.

 

As entrevistadas mencionaram o incentivo dos maridos para que não desistam de seus projetos profissionais frente às dificuldades. Falaram também de muitos benefícios relacionados ao trabalho feminino, no entanto, os interesses da carreira do militar aparecem sempre em primeiro plano, orientando as decisões mais significativas dos casais. Notamos que há um movimento de tentar adequar a vida profissional à carreira do marido, como foi expresso na fala de outra entrevistada: 

 

Vai ter que se esforçar um pouquinho agora, vai ter que se sacrificar um pouquinho agora, mais eu do que ele vamos dizer, porque ele independente de onde for tem o emprego dele, tem o trabalho dele, né... agora, pra mulher é que é mais complicado, né... pra todas não só pra mim, pra todas, né... porque eles têm, né, agora a gente, quem tem que se moldar é a gente, né...

Acreditamos que o modelo de família idealizado pelo Exército, a adesão das esposas aos valores da instituição e à carreira do militar contribuem para que as mulheres secundem os maridos, adaptem suas carreiras às deles e, muitas vezes, abdiquem de seus próprios projetos profissionais.

 

Observamos também uma ambivalência de sentimentos relacionados a ser mulher de militar, pois reconhecem que possuem papel relevante na carreira dos maridos, mas revelam sentimentos de pesar pelos projetos profissionais colocados em segundo plano ou abandonados, como vemos na fala de uma das mulheres entrevistadas:

 

Eu fico um pouco chateada assim, poxa, poderia tá trabalhando, poderia tá crescendo profissionalmente, né, como as outras pessoas...

 

Por Renata Ratton

Assessoria de Comunicação

Vice-Reitoria Acadêmica

Publicada em: 31/03/2014

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